Freddie, Kanye e a montagem dialética
Ricardo Calil
Nos anos 20 do século 20, o cineasta russo Sergei Eisenstein elaborou o conceito da ''montagem de atrações'' (ou ''intelectual'' ou ''ideológica'' ou ainda ''dialética''). Em suas palavras: ''Uma vez reunidos, dois fragmentos de filme de qualquer tipo combinam-se inevitavelmente em um novo conceito, em uma nova qualidade, que nasce, justamente, de sua justaposição. A montagem é a arte de exprimir ou dar significado através da relação de dois planos justapostos, de tal forma que esta justaposição dê origem à ideia ou exprima algo que não exista em nenhum dos dois planos separadamente. O conjunto é superior à soma das partes''.
Grosso modo, um plano se contrapõe ao seguinte para criar uma terceira ideia, maior que a mera soma dos dois. Não exatamente A + B = C. Mas sim A x B = X. O exemplo mais famoso de ''montagem intelectual'' talvez esteja no começo de ''2001: Uma Odisseia no Espaço'' (1969), de Stanley Kubrick. Um macaco joga um osso ao ar, corta para uma nave especial, a justaposição desses dois planos aparentemente contraditórios resulta em uma terceira ideia: a incrível evolução tecnológica dos primatas através dos milênios.
Com o avanço e depois a hegemonia do cinema narrativo, o conceito de ''montagem intelectual'' foi sendo abandonado aos poucos. Mas, curiosamente, ele renasceu nos vídeos virais da internet, beneficiado pela democratização dos programas de edição. A novidade é que a maioria dessas obras trabalha com a remixagem de cenas já feitas, em vez de usar imagens originais – como nos famosos ''mash ups'' de duas músicas distintas. O vídeo acima é um exemplo claro de ''montagem dialética'' eisensteiniana. Kanye West cantando se contrapõe a Freddy Mercury cantando para criar um terceiro e poderoso conceito: Chupa, Kanye!