A moda agora é clipe de música sem música
Ricardo Calil
O cinema sofreu pra falar. Muitos atores não fizeram a transição do filme mudo para o filme sonoro por não conseguirem se livrar das pantomimas do passado ou, pior, por terem uma voz desagradável. Há duas obras-primas sobre o tema: ''Crepúsculo dos Deuses'' (1950) e ''Cantando na Chuva'' (1952). E um terceiro filme mais recente, o francês ''O Artista'' (2011), simpático, oscarizado e esquecível.
Em ''Cantando na Chuva'', a estrela do cinema mudo Lina Lamont (Jean Hagen) vira motivo de chacota por sua voz de taquara rachada quando lança seu primeiro filme sonoro. Sem seu conhecimento, Don (Gene Kelly), seu par nas telas, chama Kathy (Debbie Reynolds), com sua voz aveludada, para dublar as cenas de Lina. Relançado como um musical, o filme é um sucesso. Na pré-estreia, Lina é obrigada a cantar enquanto Kathy a dubla por trás de uma cortina. Mas Don abre a tal cortina e revela a verdadeira estrela do filme. Kathy fica com Don e com a fama.
O Videota lembrou-se de ''Cantando na Chuva'' quando o colega Diego Assis chamou atenção para o fenômeno do ''shredding'' – em que alguém pega um videoclipe e regrava os vocais e a parte instrumental de maneira constrangedora e em perfeita sincronia com o original. Para entender, vale dar uma olhada na reportagem do UOL sobre o Kosmic 8, canal no YouTube de um dos mais famosos ''shredders'' da internet. De certa forma, a lógica é inversa à de ''Cantando na Chuva'': em vez de salvar com a dublagem, arruinar com a dublagem. Mas o objetivo é o mesmo: o humor. E, em ambos os casos, funciona.
Há uma tendência parente do ''shredding'' que começa a ganhar mais fôlego: fazer reedições de clipes de música sem música e com dublagens estranhas. Você pode encontrar muitas delas com a hashtag #WITHOUTMUSIC ou dando uma busca em Musicless Musicvideo. Já existe até uma lista dos 10 melhores clipes de música sem música (o primeiro, do Elvis, é genial). A versão acima de ''Bitch, I'm Madonna'' é dos mais recentes da safra.
No começo do cinema, os filmes mudos ganhavam acompanhamento musical ao vivo; muitas vezes eles tinham uma trilha sonora diferente a cada sessão. Nos vídeos virais, eles podem ganhar uma montagem e uma dublagem novas, de acordo com a visão do novo ''autor''. São maneiras diferentes de fazer um filme novo a partir do original, como no caso das músicas remixadas.
Será que o fenômeno vai durar? Já está durando. Achei um ''Gangnam Style'' sem música de dois anos atrás, e deve haver coisas mais antigas. Por outro lado, é preciso lembrar que há três meses o aplicativo dubsmash – que trabalha com um conceito parecido de dublagem – iria dominar o mundo. Há dois meses, ninguém mais fala nele.