O clipe da Anitta e o fim do plano-sequência
Ricardo Calil
Quando ''Birdman'' ganhou o Oscar de melhor filme, o Videota logo falou: ''Ih, daqui a pouco vai ter até clipe da Anitta em plano-sequência'' (que é, grosso modo, um longo take sem cortes). Batata! Anitta acaba de lançar o vídeo da música ''Deixa Ele Sofrer'' em um plano-sequência falso (em que os poucos cortes são dissimulados), dizendo-se inspirada por ''Birdman''. Bem que o Videota avisou…
Mentira. O Videota não é vidente, nunca falou ou pensou nada parecido e não tem nada contra Anitta. Ela não é o problema, mas o sintoma do problema: a Terrível Banalização do Plano-Sequência (ou TBPS). E não se trata de complexo de vira-lata. Porque o último clipe da Madonna, ''Bitch, I'm Madonna'', também sofre de TBPS. E, antes dele, ''Birdman''.
O plano-sequência virou o plano-ostentação por excelência. Uma exibição técnica fetichista, muitas vezes cafona e quase sempre ultrapassada. Basta lembrar que Hitchcock fez o longa ''Festim Diabólico'' em um plano-sequência falso em 1948 (e, como o próprio cineasta admite, o resultado é um de seus filmes mais frágeis). E que o crítico francês André Bazin defendeu as virtudes realistas do take longo sem cortes já em 1951.
A moda do plano-sequência pode ser uma resposta à tendência da montagem frenética que se disseminou no cinema de ação e no videoclipe a partir dos anos 80. Mas exageraram na dose. No cinema ou no clipe narrativos (caso de ''Deixa Ele Sofrer''), hoje é muito mais fácil e mais banal fazer um plano-sequência do que aprender a decupar (a arte de dividir uma cena em diferentes planos). Para quem quer fazer ostentação audiovisual, o Videota tem um conselho: ''Decupa bonito, decupa gostoso''.