O Videota

A cinegrafista húngara e a banalidade do mal

Ricardo Calil

No livro ''Eichmann em Jerusalém'' (1963), a filósofa alemã Hannah Arendt desenvolve o conceito da ''banalidade do mal''. Ao escrever sobre o julgamento de Adolph Eichmann, o homem que organizou a logística dos campos de concentração e do extermínio de judeus na Alemanha nazista, Arendt diz que seu personagem não agiu por antissemitismo ou por um caráter doentio, mas como um burocrata que cumpria ordens e queria ascender na carreira. O mal, segundo ela, não é da natureza, nem da metafísica: é político e histórico, produzido por homens e se manifesta onde encontra espaço institucional para isso.

O vídeo da cinegrafista húngara László Petra agredindo refugiados nos faz lembrar da ''banalidade do mal''. Não porque seus gestos são banais: uma rasteira num refugiado com uma criança aqui, uma canelada numa refugiada acolá. Mas porque eles são repletos de contexto histórico e significado político. Petra não é a doença, ela é o sintoma de uma doença que acomete o mundo neste exato instante.

Seria um erro acreditar que as agressões da cinegrafista são a manifestação de um mal ''puro'' – atos de um psicopata de filme de terror ou de uma vilã de contos de fada. Como Eichmann, ela agiu para agradar o patrão – no caso, a emissora N1 TV, ligada ao partido de extrema-direita Jobbik, que defende ideias neonazistas – e possivelmente subir na carreira. Talvez isso acontecesse se a cena não tivesse corrido o mundo e gerado enorme repercussão negativa. Mas, como a internet de vez em quando ajuda, o chute saiu pela culatra – e Petra acabou sendo demitida, possivelmente a contragosto da chefia.

A cineasta alemã Leni Riefenstahl fez dois filmes de propaganda nazista esteticamente poderosos: ''O Triunfo da Vontade'' (trecho acima) e ''Olympia''. Ela morreu, aos 101 de idade, jurando de pés juntos que nunca foi nazista, que era ''politicamente ingênua'' e queria apenas registrar a beleza, nem que ela surgisse em um comício de Hitler. A banalidade do mal não faz distinção de talento: às vezes acomete uma artista original, como Leni Riefenstahl, às vezes uma burocrata da câmera, como László Petra.