O Videota

Marinho é o Jim Carrey do Brasileirão
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Ricardo Calil

Em ''O Mentiroso'' (1997), Jim Carrey interpreta um advogado que, após um desejo de aniversário do filho, se torna incapaz de mentir por 24 horas – o que vai levar a altas encrencas e muita diversão, como diria o anúncio da ''Sessão da Tarde''. É um filme um pouco subestimado de um comediante muito subestimado. Mas isso não vem ao caso.

O que importa é o mote cômico: a impossibilidade de mentir por um profissional que precisa da mentira – ou, pelo menos, das meias verdades, seja para ludibriar ou para não ferir o outro. Pode ser advogado, médico, psiquiatra, apresentador de TV, crítico de cinema.

No caso dos jogadores de futebol, a verdade não é trocada pela mentira, mas pelo chavão. Por preguiça ou esperteza, os boleiros desenvolveram um repertório particular de clichês, plenamente acatado pelos repórteres esportivos: ''Vamos entrar em campo com garra e determinação, seguindo as orientações do professor e respeitando o adversário, para conquistar os três pontos''.

Mas o que acontece quando um jogador decide transgredir a norma e falar a verdade? Como em ''O Mentiroso'', a verdade – que deveria ser regra, mas é exceção – vira comédia. É o caso da épica entrevista acima do jogador Marinho, do Ceará, após descobrir que está fora do próximo jogo. Seu ''Que merda, hein?'' já deve ter virado meme a essa altura. Mas o ''Tô cansado, véi'' me pareceu ainda mais tocante em sua honestidade.

Em um clássico esquete para a MTV, Marcelo Adnet já havia descoberto o potencial cômico do jogador sincero.

O filme de Carrey, a entrevista de Marinho e o esquete de Adnet me fazem imaginar uma cena em que Neymar decide falar a real após a expulsão contra a Colômbia: ''O bicho tá pequeno, o Dunga não me deixa ir pra balada, e a Copa América não vale nada perto da Champions League''.


O sabre do Darth Vader não sobe mais
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Ricardo Calil

Darth Vader não é mais o mesmo. Agora ele precisa de ajuda externa para empinar um sabre de luz – como se vê neste vídeo gravado por Alyssa Langis no Disney's Star Wars Weekends. A vergonha de Darth é ainda maior porque acontece diante de Darth Jr. – a quem ele devia ensinar a firmeza do lado negro da Força.

Entre todos os spin-offs que George Lucas inventou ou permitiu para a série ''Star Wars'' – incluindo o inédito ''O Despertar da Força'', de J.J. Abrams – , faltou justamente uma comédia sexual sobre os problemas de performance de Darth Vader.

Imagine a quantidade de frases de duplo sentido que o filme poderia ter: ''Darth, que a Força esteja de novo com você!''. Imagine Darth no consultório do psiquiatra discutindo sua disfunção erétil. E imagine um final em que ele diz para o filho: ''Luke, eu não posso ser seu pai''.


Precisamos falar sobre o Clube da Luta
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Ricardo Calil

“A primeira regra do Clube da Luta é: você não fala sobre o Clube da Luta. A segunda regra do Clube da Luta é: você não fala sobre o Clube da Luta”.

Mas sobre o Clube da Luta do vídeo acima nós precisamos falar. Porque, ao contrário do que ocorre no livro de Chuck Palahniuk e no filme de David Fincher, os participantes desse clube não estão brigando por livre e espontânea vontade. Eles são presos de uma delegacia de Juruá, interior do Amazonas, obrigados a se atracar por ordem do delegado Daniel Pedreiro de Andrade (acusado por abuso sexual contra cinco meninas).

Policiais costumam ser vistos como meros cumpridores de ordem. Mas eles podem ser extremamente criativos quando se trata de inventar novas formas de esculacho. No vídeo em que brinca de juiz de MMA, en vez de entrar no ringue, o delegado criou uma forma de abuso bastante original (e provavelmente criminosa): ostentar virilidade com o corpo alheio. Psiquiatras o classificariam como sádico. Na terra do Videota, ele seria chamado de covarde.

No fundo, o vídeo lembra menos o filme com Brad Pitt, menos as lutas do UFC, e mais aquele velho sambinha do Bezerra: “Você com o revólver na mão é um bicho feroz, feroz/ Sem ele anda rebolando, até muda de voz”.


Uma criança asiática é melhor do que você
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Ricardo Calil


''Não importa o quão bom você é em algo, sempre haverá uma criança asiática melhor do que você''.

Não sei quem é mais gênio: o bebê do vídeo acima ou o autor do comentário sobre o vídeo. Se você duvida da frase, tome essa, essa e mais essa.

O bebê que equilibra três tigelas sobre a cabeça (pela roupa, possivelmente uma menina) me fez lembrar de Jackie Chan, gênio subestimado das artes marciais (provavelmente porque as combina com o humor). Mas Chan só começou a dar duro aos 7 anos, quando entrou para a rigorosíssima Escola da Ópera de Pequim. Já esse bebê parece não ter chegado aos 2 anos. O vídeo também me fez pensar na brilhante sequência do treinamento da Noiva (Uma Thurman) com Pai Mei em ''Kill Bill''.

Disciplina saudável ou abuso infantil? Não há uma resposta fácil. Só sei que é fofo, hipnótico… e melhor do que você.


Gordinho Gostoso x Capitão América
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Ricardo Calil

No cinema, o musical anda meio combalido há algumas décadas. Na internet, ele é possivelmente um dos gêneros mais populares, ao lado da comédia. Entre os muitos vídeos de música e dança que abundam na rede, alguns nasceram clássicos: há o do velhinho de muletas, o russo obeso de sunga fazendo aula de aeróbica à beira da piscina, a Lady Gaga do sertão com sapatos de tijolos.

Todos eles têm em comum o fato de desafiar estereótipos, sejam eles de idade, de peso ou de gênero. A mensagem, libertária, é clara: qualquer um pode dançar. É uma lição simples que o cinema, com seu darwinismo estético, talvez ainda não tenha entendido. E que a TV apenas começa a compreender com alguns reality shows de dança e uma série como ''Glee''. Mas ainda está longe do que acontece na internet de forma espontânea, precária e desgourmetizada.

O mais novo vídeo desta tendência está aí acima, em que um Gordinho Gostoso quebra tudo ao lado do Capitão América. Se a semiótica ainda estivesse na moda, daria um tratado.


15 segundos de terror
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Ricardo Calil

É uma história clássica de Hollywood. Em 1942, prestes a rodar “O Sangue da Pantera” com pouquíssimo dinheiro, o produtor Val Lewton viu no estúdio um grupo de extras vestidos toscamente de felinos, parecendo gatos de animação de festa, e dispensou-os para evitar o ridículo. Mas o que pôr no lugar? A resposta que ele encontrou não poderia ser mais simples (e mais brilhante): nada. Afinal, o que as pessoas mais temem não pode ser visto: o desconhecido, a escuridão, os espíritos. Se não podemos ter panteras de verdade, Lewton pensou, melhor trabalhar com sombras e ruídos – e deixar a imaginação do espectador fazer o resto. Nascia, ali, o terror de sugestão – e uma obra-prima do cinema. Décadas mais tarde, com o avanço dos efeitos especiais, a imaginação perdeu espaço para a tecnologia – vide o tigre virtual no barco de ''As Aventuras de Pi'' (2012).

O vídeo acima subverte o conceito de terror de Lewton. Em 10 segundos, você precisa imaginar: do que corre esse homem, o que o assusta? E então, nos 5 segundos finais, vem a resposta, justamente aquilo que faltou a Lewton: um felino de verdade – dos grandes, acrobáticos e assustadores. Às vezes, a imaginação e a tecnologia ficam pequenas diante da realidade. Vindo de um país árabe não-identificado, o vídeo é um daqueles pequenos milagres audiovisuais em que a câmera está no lugar certo, na hora certa. Como se fosse um longa de terror amplificado pela câmera lenta, condensado a uma essência de 15 segundos, com um final em aberto.


Dez anos de selfies em movimento
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Ricardo Calil

Este blog estreia perto de uma efeméride significativa: há dez anos, mais exatamente em 23 de abril de 2005, foi ao ar o primeiro vídeo publicado no YouTube: ''Me at the Zoo''. Com apenas 18 segundos, foi um teste feito por um dos criadores do site, Jawed Karim. “É isso aí. Estamos aqui com os elefantes. Eles têm grandes, grandes trombas. E é isso que eu tenho a dizer”, diz o tímido Jawed.

''Me at the Zoo'' é o ''A Chegada de um Trem na Estação'' dos vídeos virais. ''A Chegada'', por sua vez, é considerado o primeiro filme de cinema, realizado pelos irmãos Lumière em 1895. A comparação é exagerada? Muito. O vídeo de Jawed jamais terá a estatura histórica do filme dos Lumière por um fato básico: ele não estava inaugurando uma arte, e sim uma plataforma. Vídeos na Internet não eram novidade em 2005; o trunfo do YouTube foi agregá-los de forma simples. Por outro lado, existiam filmes antes de ''A Chegada de um Trem na Estação''; Thomas Edison já os exibia em cabines individuais, os cinetoscópios. A sacada dos Lumière foi transformar o cinema em experiência coletiva. Já os vídeos virais unem Edison e Lumière: são uma experiência individual (vistos a cada vez por uma pessoa em seus cinetoscópios ambulantes) e coletiva (podendo ser compartilhados com milhões de outras).

Ainda que banal, ''Me at the Zoo'' é revelador. A estreia do YouTube é um selfie em movimento, um monólogo trivial (''eles têm grandes trombas'') e ainda um vídeo de bicho – uma premonição do que viria a seguir nos dez anos seguintes. No lugar do fascínio pela máquina (o trem dos Lumière) do século 19, o amor a si mesmo no século 21. Em vez da terceira pessoa, a primeira.

Se Louis e Auguste Lumière tivessem feito o primeiro vídeo viral, possivelmente um deles se colocaria diante da câmera dizendo: ''Estamos aqui com um trem. Ele é longo, realmente longo''.


Somos todos videotas
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Ricardo Calil

O nome deste blog foi tirado da curiosa tradução para o português de “Being There”, livro de Jerzy Kosinski lançado em 1970. No Brasil, “O Videota” é mais conhecido por sua adaptação ao cinema, “Muito Além do Jardim” (1979), de Hal Ashby. No filme, Peter Sellers interpreta Chance, homem ingênuo que passou a vida dentro dos limites da casa de seu patrão cuidando do jardim e vendo televisão. Quando finalmente sai ao mundo, é reverenciado como um gênio – e as platitudes que diz, inspiradas no “lixo cultural” da TV, são consideradas metáforas brilhantes.

being there

Assim como Chance, tanto o livro de Kosinski (autor polonês naturalizado norte-americano que se matou em 1991 depois de ser acusado de plágio por outro livro) quanto o filme de Ashby são superestimados. Há algo de datado na sua crítica à televisão como um instrumento idiotizante (sobretudo em uma época em que ver certas séries de TV virou símbolo de status social, como antes acontecia com o cinema de arte). Mas é preciso reconhecer que ninguém interpreta um paspalho no cinema como Peter Sellers (vide “O Convidado Trapalhão”, a série “A Pantera Cor de Rosa”, “Dr. Fantástico” etc).

Então, por que dar o título de uma estranha tradução de um livro menor para este blog? Porque é sonoro, claro. Mas sobretudo porque há algo de significativo – e, nesse caso, também atual – na ideia de pessoas que formam parte de sua visão de mundo e educação audiovisual assistindo a vídeos virais em pequenas telas (agora ainda menores que a da TV). Sem perceber, todos estamos fazendo cara de Peter Sellers diante da telinha – seja a do tablet, sozinhos na cama; seja a do celular no ônibus lotado; seja a do computador, disfarçadamente, no meio do expediente.

Se gastamos um tempo inestimável de nossas vidas com vídeos virais, por que não levá-los minimamente a sério? Neste blog, vamos falar – com atenção, carinho e respeito – de vídeos de gatos fofos, crianças sem noção, dublagens irritantes, flagrantes de abusos policiais, covers diversos de música e assim por diante. Daremos preferência a material caseiro, modesto e de procedência duvidosa. Mas, de tempos em tempos, poderemos falar também de clipes, trailers, cenas de novela, campanhas emocionantes e mal-intencionadas de marketing etc.

O que o gosto (ou o vício) por esses fragmentos audiovisuais diz sobre nós? Eles representam a democratização do audiovisual ou uma modernização do ópio do povo? São cinema ou lixo cultural? E, se são cinema, eles podem ser analisados de acordo com seus gêneros, sua narrativa e linguagem? Estamos fadados a espasmos de atenção de no máximo 3 minutos? E o cinema tal como o conhecemos nos últimos 120 anos, com suas produções caras e sua experiência coletiva de longuíssimas duas horas, vai virar o beletrismo da imagem? Ainda vamos sentir saudades dos bons e velhos tempos em que as famílias se reuniam diante da televisão para ver o “Jornal Nacional”, “Chaves” ou “Pânico na TV”? A vida imita a arte ou, como diz Woody Allen, imita programas ruins de TV? A videocassetada é o formato essencial do audiovisual contemporâneo?

Estas são algumas das questões que este blog irá levantar – sem necessariamente responder. Comentários publicáveis, sugestões de vídeos, compartilhamentos nas redes sociais serão sempre bem-vindos.

Muito prazer,

O Videota.


“O Videota” estreia no UOL Entretenimento
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Ricardo Calil

Ricardo Calil é jornalista e documentarista. Codirigiu ''Uma Noite em 67'' e ''Eu Sou Carlos Imperial'', passou pelas redações da ''Folha de S. Paulo'', ''Jornal da Tarde'', ''Gazeta Mercantil'', revistas ''Trip'' e ''Bravo!'' e site NoMínimo, entre outras. Atualmente é crítico de cinema da ''Folha''.

''O Videota'' pretende analisar vídeos virais como se fossem filmes de cinema.