Carlos Manga era bom até quando era mau
Ricardo Calil
No audiovisual brasileiro, nenhum outro diretor conseguiu brilhar com a mesma intensidade no cinema e na TV como Carlos Manga – que morreu ontem no Rio de Janeiro aos 87 anos.
No cinema, ele foi um dos principais diretores da chanchada – ao lado de José Carlos Burle, Watson Macedo e Moacyr Fenelon.
Cinéfilo formado na escola hollywoodiana, Manga trouxe um nível de profissionalismo e de cuidado artesanal até então inédito para um gênero que, grosso modo, era feito de forma amadora. Melhor: conseguiu fazer isso sem engessar o talento dos comediantes.
Como disse o ator Paulo José em depoimento sobre Manga, ''para fazer paródia de cinema é preciso saber fazer cinema''. Manga sabia.
Isso fica evidente em filmes como ''Nem Sansão Nem Dalila'' (1953), ''Matar ou Correr'', ''Este Milhão É Meu'' (1958) e ''O Homem do Sputinik'' (1959), três grandes momentos da chanchada dirigidos por Manga e estrelados por Oscarito – uma das melhores duplas de diretor/ator da história do cinema brasileiro.
No total, foram 32 longas-metragens dirigidos por Manga, 21 para a Atlântida (principal produtora da chanchada), 13 com Oscarito.
Se as globochanchadas – as comédias de costumes produzidas pela Globo Filmes nos anos recentes – contassem com uns dois ou três Mangas, a qualidade do cinema comercial brasileiro subiria muito, pode crer.
Na televisão, Manga foi igualmente importante. Foi levado para o novo meio por seu amigo Chico Anysio nos anos 60 e começou dirigido o ''Chico Anysio Show'' na TV Rio. Para a Record, comandou dois programas musicais que marcaram a história: ''Jovem Guarda'', o programa que aglutinou o movimento e bombou a carreira de Roberto Carlos, e o ''Show do Dia 7''.
Na Globo, assinou, entre muitos outros trabalhos, as minisséries ''Agosto'', ''Memorial de Maria Moura'' e ''Engraçadinha'' – dando ares de cinema ao padrão de qualidade global.
Para saber mais sobre a trajetória de Manga, o livro fundamental é ''Quanto Mais Cinema Melhor'', de Sérgio Cabral. Na biografia, Chico Anysio diz que, além de grande diretor, Manga foi ''o maior ator brasileiro''. Isso porque, antes das filmagens, ele mostrava exatamente como gostaria que o ator fizesse a cena – fosse uma piada de Oscarito ou uma briga com Tarcísio Meira (como mostra a foto dos bastidores do filme ''O Marginal'').
Para não dizer que falei apenas de flores, Carlos Manga teve ao menos um mau momento na TV: ''Quem Tem Medo da Verdade?'', programa criado pela Record em 1968 para tentar recuperar a audiência perdido com a crise dos programas musicais. Nele, os famosos da época eram ''julgados'' em um tribunal composto por outras pessoas célebres. Foi, possivelmente, o embrião do sensacionalismo na TV brasileira.
Mas, apesar de lamentável, o programa rendeu ao menos um momento genial para a história da TV brasileira (que você vê no vídeo acima): Silvio Santos defendendo Roberto Carlos da ''acusação'' de afeminar a juventude brasileira. Ou seja: Manga era bom até quando era mau.