O Videota

O Brasil virou um filme de zumbis

Ricardo Calil

Os vídeos amadores do tumulto deste final de semana em Copacabana são confusos: há um corre-corre generalizado, ônibus sendo parados, vidros sendo quebrados, passageiros pulando pela janela, um homem apanhando de um grupo de fortões. As imagens de celular só fazem sentido, nesse caso, quando acompanhadas das palavras do noticiário: houve arrastões nas ruas do bairro, a polícia não interferiu com a desculpa de uma decisão judicial, um grupo de justiceiros formado no Whatsapp parou um ônibus para linchar um suposto ladrão, os passageiros tentaram escapar não se sabe se dos linchadores ou dos assaltantes.

À primeira vista, as cenas lembram o filme ''Fúria'' (1936), de Fritz Lang – talvez por influência de Inácio Araujo, mestre da crítica que sempre o cita como uma radiografia da cultura do linchamento, da qual o Brasil é o infeliz e inconteste campeão mundial. No filme, Spencer Tracy interpreta um homem inocente confundido com um raptor de crianças que é preso e atacado por uma multidão furiosa.

Mas talvez um drama social como ''Fúria'' seja uma referência suave demais para o tumulto em Copacabana. Provavelmente já estamos mais próximos de um filme de zumbis/luta de classes como ''Terra dos Mortos'' (2005), de George Romero. Nele, os mortos-vivos controlaram quase todo o planeta, os humanos sobreviventes moram em uma cidade decadente cercada por muros para impedir a invasão dos zumbis, e os mais ricos vivem isolados em prédios luxuosos que parecem um shopping, tentando levar uma vida ''normal''. Há ainda um grupo de mercenários fortemente armados que enfrenta os zumbis para conseguir suprimentos para os mais ricos ou para vendê-los no mercado negro. O problema é que os mortos-vivos começam a ficar mais inteligentes, a se organizar como um grupo e a ameaçar a já frágil ordem social.

Não é preciso se esforçar muito para entender quem são os zumbis, os mercenários e os privilegiados no episódio de Copacabana. Nem para compreender a crítica social de Romero – na qual os vivos estão mais mortos do que os mortos-vivos.