“Que Horas Ela Volta?” à “Central do Brasil”
Ricardo Calil
A essa altura do campeonato, quase tudo já foi dito sobre ''Que Horas Ela Volta?''. Mas, posso estar enganado, há um aspecto acessório do filme que passou despercebido até aqui: a incrível semelhança entre o pôster o filme dirigido por Anna Muylaert e o de ''Central do Brasil'' (1998).
A ficha caiu quando o Videota viu uma paródia ao cartaz de ''Que Horas Ela Volta?'' (e você sabe que um filme virou um fenômeno cultural quando ele passa a ser parodiado), com uma imagem de Aloísio Mercadante deitado no colo da presidente Dilma no brilhante noticiário satírico do ''piauí Herald''.
Aí o Videota pensou: ''Ué, se eles querem parodiar 'Que Horas Ela Volta?', por que usaram o cartaz do 'Central do Brasil'?'' E, ao dar aquele Google básico, ele entendeu que seus cartazes são incrivelmente parecidos.
O parentesco entre cartazes remete a uma segunda semelhança: com abordagens e estilos muito diferentes, os dois filmes tratam de relações maternais não-biológicas, construídas pelas circunstâncias ou socialmente. No de Walter Salles, o personagem de Fernanda Montenegro ''adota'' a contragosto um menino que perdeu a mãe e busca o pai. No de Anna Muylaert, a empregada interpretada por Regina Casé vira a segunda mãe do filho da patroa. Em um país (e um cinema) em que a falta do pai é dada como certa, o drama surge da ausência da mãe e de sua substituição.
Há ainda uma terceira semelhança entre os filmes, mas esta dada mais pelo olhar externo sobre eles. Tanto ''Central do Brasil'' quanto ''Que Horas Ela Volta?'' foram apontados como obras-símbolo de seu tempo político: o primeiro, do governo FHC; o segundo, da era Lula. Não quero me estender sobre esse aspecto questionável. Mas é curioso notar que, de acordo com o olhar, os filmes foram elogiados ou criticados ora por refletir nossas contradições sociais, ora por diluí-las.
Por fim, há uma quarta semelhança na consagração internacional dos dois filmes, algo raro para dramas intimistas brasileiros (''Cidade de Deus'', ''Tropa de Elite'' e mesmo ''O Som ao Redor'', de formas muito distintas, eram paineis sociais). Os paralelos podem ganhar mais um episódio se ''Que Horas Ela Volta?'' for um dos finalistas ao Oscar de melhor filme estrangeiro – algo que não acontece com uma produção brasileira desde… ''Central do Brasil''.