Como É Criminoso o Meu Patrão
Ricardo Calil
O assédio sexual de patrões a empregadas, essa tenebrosa tradição nacional, não foi ignorado pelo cinema brasileiro. Mas também não foi encarado de frente, pelo que ele realmente é. Na pornochanchada, ele era visto como uma piada erótica – como mostra o título do filme ''Como é Boa a Nossa Empregada'' (1973).
Em ''Casa Grande'' (2014), de Fellipe Barbosa, no qual um adolescente se inicia sexualmente com a empregada mais velha, o assédio é visto como parte natural do romance de formação do garoto, como um jogo de sedução entre iguais – e não como um exercício de poder.
E mesmo em ''Que Horas Ela Volta?'', que tem um olhar mais crítico para essas relações, os avanços do patrão (Lourenço Mutarelli) sobre a filha da empregada (Camila Márdila) são atenuadas pelo caráter meio parvo/meio romântico dado ao personagem masculino. Afinal de contas, ele é um banana ou é um assediador? Entre as muitas pautas criadas em torno do filme de Anna Muylaert, esta não foi colocada.
Por mais diferentes que sejam os olhares desses filmes, eles têm em comum o fato de serem dirigidos pelo lado economicamente privilegiado da relação patrão-empregado.
O vídeo acima – que a empregada Priscila do Nascimento Xavier fez para registrar e denunciar o abuso sexual de seu patrão no Recife – inverte essa equação. Pode não ser esteticamente refinado, mas é tão relevante quanto os filmes citados acima, porque traz o olhar da vítima e porque dá ao assédio o nome que ele deveria ter. Seu nome poderia ser: ''Como É Criminoso o Meu Patrão''.